quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Convite

O amor não é um plano, é um assalto.

É o que diz a portuguesa Patrícia Reis em seu gracioso Amor em segunda mão.

Fica o convite.

Mais de Patrícia em http://vaocombate.blogs.sapo.pt/

sábado, 13 de novembro de 2010

Quixote

E o quadro acabou ficando por lá. Alguns dias no chão. Depois para a parede. Justo em cima da cama. Me observando. Me questionando. Me inquirindo. O cavaleiro da triste figura em noites insones, ao meu lado, sobre mim, sussurrando que moinhos de vento só existem quando nossa imaginação trabalha a seu favor.

O Neruda que você nunca leu

- Opa, opa, aonde você vai com esse livro?
- Você está querendo saber aonde eu vou com o MEU livro?

Eles já tinham superado, não sem discussões e ao menos uma mordida, a divisão dos CDs. Chegavam agora à etapa dos livros.

- Este livro não é seu. Foi a mamãe que me deu.
- Sua mãe não teria sensibilidade para te dar um livro. E sabe que poesia não é o seu forte.

Doze anos juntos. E ela não deixou passar uma oportunidade de alfinetar a Dona Maura.

- Sim, foi ela quem me deu. E tem até uma dedicatória. Pode conferir.

Lucinha titubeou. E se ela abrisse a primeira página e se deparasse com a letra forçadamente caprichosa da Dona Maura? Seria a prova inconteste.

- Pedro Paulo, este livro é meu. Nós compramos juntos. Daí sua confusão. Aliás, essa era uma das poucas coisas que ainda fazíamos juntos. Ir a livrarias. Apesar de você preferir a seção de DVDs.

- Adoro filme, mas nunca desprezei os livros. E este, que suas mãos insistem em agarrar, me pertence.

- Ah, mas você está afirmando que gosta mais de Neruda do que eu?

- Não tem a ver com preferências, Lúcia Helena. É uma questão prática: o livro deve ficar comigo, já que é meu. Vou ligar para a mamãe. Ela confirma o presente.

Na iminência de vislumbrar o brilho nos olhos de Dona Maura, convidada a dar o voto de minerva num momento tão crucial, Lucinha resolveu abrir o livro.

Na primeira página havia, sim, uma dedicatória. Mas não era da mãe de Pedro Paulo. O que se via era a letra redonda de uma Carola, maio de 2004, “vinte poemas de amor para você não me esquecer”.

- Sim, o livro é seu. Mas você nunca leu. As páginas estão praticamente grudadas. Vou levar.

domingo, 24 de outubro de 2010

La Chascona

Nas recentes andanças pelo Chile inevitavelmente nos deparamos com La Chascona, a “desgrenhada” casa que Neruda construiu em Santiago para esconder – se esconder com – sua Matilde amante.

A casa em forma de barco era uma maneira do poeta, também amante do mar, sentir-se perto daquele universo com cheiros e movimentos tão próprios.

De amor e mar ali viveu por mais de 15 anos.

Esses dois elementos tão presentes na casa se fazem sentir pelos que se embrenham por suas escadarias e jardins e emocionam até os mais desavisados.

Quanto a mim, o sobressalto veio com a leitura do diploma que a Academia Sueca lhe concedeu em 71, por ocasião do Nobel, com a seguinte justificativa: “A Pablo Neruda, por sua poesia que, com uma força poderosa, faz possíveis os sonhos e destinos de um continente”.

Não tem antropologia que explique a sensação de pertencimento que esse breve texto evoca.

Mais de La Chascona e de Neruda em http://www.fundacionneruda.org/historia_chascona.htm

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

San Pedro de Atacama

No pequeno povoado velado pelo Likancabur. Nas ruas esteira de poeira. Na vastidao do deserto que encontra vida em flamingos multicores. No pôr de sol violáceo montanha abaixo. Na paisagem lunar, estranha, insólita. Numa cidade cenário das histórias de Juan Rulfo. Num chao sempre em chamas. Sob um céu que se faz estrelas. Sobre 4900 metros de altitude. Nao escrevo. Apenas penso. Te penso.

Ps.: Nao precisava, mas nao resisto a fazer a ressalva de que no teclado atacameño nao existe o nosso querido acento nasal.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Apócrifo

Escrevi e reescrevi o conto, mexe daqui, lapida de lá. Mas parece que forma alguma dá conta da pungência de algumas histórias proclamadas como reais. Eis então os fatos. Esperando que de fato alguém os conte.

Maria empoleirou-se no muro para xeretar o silêncio suspeito da casa vizinha. Deparou-se com a menina mirrada que, com força e acuidade, deslizava pela parte posterior da perna, sem sinais de dor, o caco de vidro que arrancava a pele negra que tanto a torturava, expondo a todos as chagas vermelhas que nunca seriam curadas. Maria desempoleirou do muro, guardou o coração no peito e jamais voltou a chorar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A maçã e o bibelô

O olhar de Alice insistia no bibelô exposto na prateleira. O braço magrela de Joaquim apontava com veemência o doce ao lado. E Joana, atordoada que estava, ficava a admirar os dois irmãos, pensando na séria decisão que deveria tomar, sem muita demora.

Naquele breve instante em que teria que escolher entre Alice, a irmã do meio, e Joaquim, o caçula, Joana foi fisgada pelas imagens das cenas que dividira com os pequenos nos anos de pobreza e desencanto.

Lembrou do dia em que Joaquim deixara a família apavorada quando, noite já, o menino e sua bicicleta velha não voltaram para casa. Cada um saiu a um canto a buscá-lo. E a Joana coube a sorte, e o desespero, de encontrá-lo. É que Joaquim tinha deixado seu bairro para trás a fim de se aventurar pelo centro da cidade. E, no momento em que a irmã o avistou, estava a cruzar a avenida movimentada, com sua inocência, franzinisse e inabilidade para transitar por esses espaços repletos de máquinas poderosas e ruídos dissonantes. Joana reconheceu-o no instante em que um carro lambia-lhe as pernas, quase a ponto de deixá-lo estatelado no asfalto, sem que ele sequer percebesse. Os olhos distraídos acharam o da irmã. A bicicleta correu mais rápido. E Joana o recebeu aliviada, já pensando em como encobriria dos pais a arte do irmão.

A lembrança emocionou Joana. E a maçã, na prateleira próxima, tão ao alcance das mãos, se fez mais vermelha e perfumada. Joaquim já sentia seu gosto lambuzado na boca amarga, que tão poucas delícias havia experimentado na sua curta infância.

Joana insinuou uma decisão, mas as mãos de Alice logo a procuraram. As mesmas mãos que, poucos meses atrás, cobertas de picadas de formiga vermelha, chegaram para receber os cuidados da irmã mais velha. Joana correu para o quintal, colheu a planta que, na falta de remédios caros e drogas apropriadas, servia para curar a família de qualquer mal e, emplastro preparado, aplicou com carinho nas feridas de Alice. O curativo, feito com mais amor que precisão, atenuou as picadas e levou a dor da menina embora. Alice agradeceu ficando em silêncio ao seu lado por longos minutos, enquanto Joana engasgava um sorriso.

A cena era nítida na recordação de Joana e, naquele instante, o bibelô pareceu-lhe tão gracioso! Seus contornos de gesso ficaram mais precisos. Joana teve a impressão de que a saia da bailarina começou a rodar. E Alice já se sentiu dona do pequeno enfeite, que colocaria na cômoda em que guardava as roupas ralas e alguns sonhos, para adornar sua vida sem cor.

Joana arriscou uma palavra. Joaquim esboçou um choro. E a irmã, que vivia para guardar a esperança daqueles dois, sentiu pesar a responsabilidade da escolha, primeira de tantas por fazer vida a fora. Joana então pensou que não tinha o direito de optar entre o desejo de um irmão e outro.

Entre Joaquim, para quem a maçã representava todas as guloseimas que não comera, todos os sabores de que fora privado numa vida de carências e desconsolo. E entre Alice, que via no bibelô os brinquedos que jamais ganharia, o presente que era a materialidade das suas ambições de menina. Entre uma maçã caramelada que acabaria antes mesmo de chegarem em casa. E um bibelô que viveria até o momento em que algum desavisado puxasse com mais força a gaveta da cômoda. Entre um sabor que talvez animasse uma vida que tanta tristeza já encerrava. E um enfeite que, quem sabe?, poderia deitar uma esperança, ainda que miúda, nos caminhos da pequena.

Não importava ter a maçã a casca dura e açucarada por demais. Nem o fato do bibelô ser quase feio, uma dançarina mal pintada e cabisbaixa diante de tantas iguais a ela. A irmã mais velha também via na sobremesa primária, no mal composto objeto, a realização dos seus próprios anseios.

E, ali, Joana odiou ter acertado o alvo que deu a ela o direito de escolher uma prenda naquela tão aguardada festa junina. E para não decepcionar um ou outro, devolveu o bilhete. Renunciou à bailarina. Negou o doce. Puxou os irmãos e voltou para casa. Que lá haveria miséria igual aos dois.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A bailarina

Uma bailarina que sem pés passeia.
A imagem, surrupiada do poema A Vaga, da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, provoca estranhamento, mas é inequívoca em sua beleza. Difícil conceber uma bailarina, cujo ofício é dançar, desprovida dos elementos que lhe conferem essa condição. A suavidade provocada pela aliteração em s, no entanto, permite a construção de uma bailarina etérea, pairando sobre um imaginário palco, criando uma bonita visão, que em nada remete a uma mulher mutilada, como a linguagem, do ponto de vista estritamente semântico, poderia nos levar a pensar.
Eis a particularidade, e a provocação, do texto poético.
Eis a promessa da boa poesia.

Mais de Sophia em www.astormentas.com/andresen.htm

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Paixão pela poesia

Eis o texto premiado, em 2002, pela Academia Brasileira de Letras. Como se pode ver, imortais também erram. E a gente muda. Para o bem dos leitores...

O que é ela senão deleite? Construção imagética. Mistura de palavras. Metáfora. Com ou sem rima. Metonímia. Que exalta a lua, sem acobertar o sol. Que louva a beleza, sabendo reconhecer e dignificar o dito feio. Poesia. Prosa ousada que extrapola, sensível e instigantemente, a alegoria. Poesia.

Como não nos apaixonarmos pelo texto que se apresenta em versos metrificados, em rimas alternadas, em estrofes sonéticas? Que evocam sensações, imagens e cheiros. Que nos remetem à infância e nos lançam ao futuro. Que, despretensiosamente, nos aspiram para um universo inimaginável. Ou para um mundo repleto de coisas identificáveis, porém com outra cor.

Se incompreensível, de cunho estético ou moral, ou se mera junção de vocábulos desconexos, a poesia sempre transcende, excede. E o consegue simplesmente por possuir interlocutor preciso: a alma. E para falar ao espírito, brando ou atordoado, mais que palavras rebuscadas e versos simétricos, é necessário paixão.

Há que se revirar lembranças, alegres ou doloridas. Que realizar uma verdadeira garimpagem nas caixas e gavetas esquecidas e também pelas experiências ainda acesas. E depois, transcrever os sentimentos, os encontros. Não há necessidade de ser claro ou conciso na poesia. Sua função é despertar, causar, provocar, machucar talvez.

E como não nos envolvermos, num tórrido e tresloucado romance, com os objetos, motes, musas da poesia? Como deixarmos passar desapercebidos a etérea Beatriz do Chico, a suave Luisa do Tom, o cativante Severino do João Cabral? Como fingirmos indiferença a esses personagens que, de tão bem descritos e esmiuçados, muitas das vezes com poucas mas valiosas palavras, povoam nossa memória, contracenam conosco.

E ainda, como não nos enlouquecermos pelo poeta? Como não nos compadecermos de seu doloroso ato de ora vomitar ora assoprar palavras? Palavras que brincam na mente, deslizam pela língua e dançam no papel até tomar forma. E aí renegam seu criador, declaram-se independentes, saem a passear pelos recônditos inexploráveis do homem. Buscam qualquer lugar em que possam causar eco, de onde consigam arrancar emoções, mesmo que doídas.

A paixão pela poesia pressupõe paixão pelas manifestações simples e pungentes da vida. Mas, apesar dos motivos apresentados, é possível que um leitor exigente ou desavisado continue irresoluto, titubeante quanto ao regozijo de viver e comer poesia. Para eles, ouso oferecer uma receita.

Tente acordar uma hora mais cedo que a costumeira e, prostrado na janela de casa, faça uma surpresa ao sol. Esteja a sua espera quando ele aparecer, laranja, em meio a um céu lilás. Caminhe, cabelos ao vento, logo pela manhã, e sinta aquele ar de prelúdio de outono resfriar as faces, adentrar as narinas. Observe, com um olhar flaneur, o cão do vizinho (se você mirá-lo de perto, verá que está sorrindo). Solte os braços. Se ninguém estiver olhando, pegue uma cuca do chão e tente acertar um alvo invisível. Se alguém o admirar, faça dele o alvo, mas só de brincadeira, pra tentar arrancar uma risada aflita. Chegue atrasado no trabalho, por ter feito amor até mais tarde, ou por ter levado o lanche para o filho na escola, mas faça cara de preocupação. Leia, de cordel a Kafka. Invente códigos secretos com os amigos. Viaje, de carona e de barraca. Entregue-se às paixões, aos delírios, aos devaneios. Construa uma família, pinte um quadro, um borrão que seja. Conte estrelas. Saia de casa, só pra poder voltar sempre. Ame. O amante, a mãe, o porteiro. Beije. O amigo, o patrão. Ouça. Os latidos, a música, o coração. Permita-se sempre. Viva de forma a colecionar histórias para contar, não aos outros, mas a você mesmo, quando, no epílogo de sua existência, estiver a apreciar o mar, numa bela manhã de segunda.

E ao se emocionar com essas miudezas do dia-a-dia, descobrir-se-á fervoroso amante da poesia. Cúmplice das palavras lapidadas. Namorado dos versos. Admirador secreto de sonetos. E ainda, um poeta potencial. Mas se, por fim, não estiver convencido do benefício desta arte, abra uma Cecília. É tiro e queda.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Cidade limpa, cidade nua

Marcaram de se encontrar no domingo, no Minhocão, embaixo da Daniella Cicarelli. Era a primeira vez que se veriam sem ser no trabalho. Escolheram algo inocente, um passeio vespertino por um lugar inusitado da cidade. O assunto estaria garantido, pelo menos de início. Algo como “passo por aqui todo dia de carro mas a pé é outra perspectiva...” provavelmente iniciaria a conversa. Ele chegou primeiro. Tomou a direção da Consolação, olhando para os dois lados. Viu prédio pintado de fuligem, torre do Banespa ao longe, varal, cachorro debruçado na grade. Galhos nascendo das entranhas do viaduto. Janelas que permitiam espiar as salas dos moradores, invadidas pelo dióxido de carbono e pela desvalorização. Mas não viu a Cicarelli. Viu fachadas velhas à mostra, outras recém-pintadas, um cartaz de filme despencando no horizonte. Mas não viu a modelo que, ele se lembrava bem, estava quase nua. A igreja despontou e ele percebeu que já chegava ao final da pista. Sem achar o local do encontro. Resolveu voltar, caminhar até a outra ponta, sentido Lapa. Queria estar logo com a Rose, de roupa mesmo. Foi no instante em que ele se afastava, que ela chegou. No mesmo canto da via, pelo centro, arfando. Lembrava que a Cicarelli ficava no meio da extensão do viaduto. E se pôs a caminhar, 3,4 quilômetros a sua frente, meio atrasada. Andava observando o entorno, e nada da modelo. Viu homens musculosos se exercitando nas varandas miúdas, quase trombou com umas crianças de patins, admirou a alegria das pessoas que se enredavam pelos churrasquinhos, forrós e outros acepipes. Viu um mundo que ela desconhecia. Mas a Cicarelli não fazia mais parte da festa. Tropeçou nas protuberâncias do asfalto. Admirou-se com os meninos que tomavam sol no canteiro-central-espreguiçadeira do viaduto. Riu com os travestis que terminavam a noite anterior quando o sol de hoje já se punha. Brincou com o cachorro arrebitado que levava o dono para passear naquela tarde quente. Lembrou que tinha uma bicicleta em casa que merecia desenferrujar. Viu o estranho, o inesperado. E o Marcos, lá longe, que voltava correndo. Viu, espantada e alegre, as fímbrias da metrópole expostas. Mas nada da Daniella Cicarelli. Quem estava ali, nua, era a cidade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Com a luz

Há coisas que, quando nos são reveladas, oferecem a sensação benfazeja que diz que é possível, sim, apostar na coerência da vida. Foi assim no dia em que descobri o significado literal da palavra fotografia. Nada mais preciso e bonito que escrever com a luz.

Confira fotos escritas com luz e poesia no espaço da amiga Dani Baptista: http://www.flickr.com/photos/danibaptista/

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Twitter lírico

Tocou a última nota em seu sax de todos os dias. Espreitou ao redor. Recolheu as fartas moedas. Doeu-se da ausência. De aplausos.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Começar

Por que mesmo a gente acha que o primeiro post deve ser revelador, instigante, convidativo? Que deve resumir nossas intenções, propósitos e motivações? Guardar em poucas e precisas linhas a essência dos textos vindouros? Nada disso. Inaugurado o blog. Sem pretensões.